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sexta-feira, 31 de julho de 2020

Uma noite entre muitas

Ainda essa noite
Rosália andou pelo apartamento
Tomou vinho no gargalo
Rio do vizinho que dança só

Pensou que era cedo demais pra dormir
Caiu nua no sofá
Deslizou os dedos pelo próprio corpo
Sentiu um calafrio
Consigo e com a chuva

Sonhou com a relva nas folhas de um imenso jardim



segunda-feira, 29 de junho de 2020

Cidadão KKK


O cidadão de bem
É xucro
É xoxo
É fraco
É frouxo  

O cidadão de bem
É mal agouro
É desaforo
É aguado
Magoado

O cidadão de bem
É podre
É ocre
É cabaço
É embaraço

O cidadão de bem
É desengano
É desumano
É chato
Fracassado

O cidadão de bem
É inescrupuloso
intestino Grosso
Mal amado
Malogrado

O cidadão de bem
É um cretino
É desatino
Ôco
Môco

O cidadão de bem
É tudo que não vibra
É tudo que não sente
Demente
Descrente

O cidadão de bem
É podres poderes
É poucos deveres
Bucho cheio
Alma vazia

O cidadão de bem
É preto/branco
Descolorido
Cinza
Anticores

O cidadão de bem
É o não gozar
Sempre broxar
Cedo acabar
Autofagiar

O cidadão de bem
É querer não fazer
É ter o não querer
Nunca incentivar
Sempre atrapalhar

O cidadão de bem
Se veste bem
Muito mal
Come bem
De todo mal

O cidadão de bem
Caga regra
Muita prega
Nada fluir
Tudo ficar

Eu...

Tenho nojo pelo Cidadão de bem

Eu...

Quero vê-lo 

Me ver gozar de toda fruta e flor

E mesmo assim não enxergar

Ao Cidadão de bem desejo que vivam muito

E muito pouco

A primavera é multicolor!

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Abafabanca

Agora quero escrever, agora
Para os que temem
Para as que sentem medo das ruas vazias
Pelos trôpegos da esquina
Por quem não está mais aqui

Agora, eu vou escrever
Pra que você sinta-se forte
Por tudo que vivemos e sentimos
Pela indecisão que machuca

Neste instante eu vou falar
Proclamo a todo e qualquer humano
Pergunto a toda e qualquer menina
Percorro cada lágrima caída

Exatamente nesse minuto, direi
Pra ti colombina sem nome
Palhaço sem maquiagem
Paquita preta sem palco
Partes de um todo doutrinado

Sem perda de tempo eu grito
Pastor de ovelhas desgarradas
Professora que lê poesia nas tardes
Promotor de vidas que são aprisionadas
Patife colecionador de almas

Sim, vou deduzir das horas o minuto profícuo
Perturbador de madrugadas do interior
Prefeito de cidadela que geme baixinho
Piranha que extorque o magnata
Posto de gasolina de beira de estrada

Coloco num segundo os olhos na parede
Perfuro minha carne com agulhas de costura
Preconizo a vida das mães sem filhos
Protejo os niños de cadela gorda
Priorizo as manhãs gélidas e agasalho o dia

Vou falar agora
Puta que pariu!

Por que?
Por onde...
Porra

Preciso ir.


terça-feira, 26 de maio de 2020

Trovão Menino

Visto o mesmo manto
Encaro as mesmas luzes
Sou  o mesmo Santo

Dias de trovão e água turva
Cachoeira de queda mansa
Digo, não nego o pedido

Ainda que seja amanhã o desencontro, amigo

Meu corpo é lenda do teu folclore
Desacato toda a autoridade vã
Me alistei na tropa de quem anda comigo

Saio pelas ruas sem medo do que virá
Caio no Rio e rio da tua besteira
Saibas tu que nunca me encontrarás de bobeira

Ainda que o breve encontro me cale, desfiladeiro

Coço minha barba que se embranquece
Penso no céu estremecido e quente
São fogos e lágrimas que vem  e(m) vão!

Minhas páginas de livros não escritos
Os amores que nunca tive ou terei
São acalantos nessa vida, breve

Ao meu Sul uma constelação...

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Devaneios de Outono na prisão

Escrever uma peça batendo na máquina
Redigir um editorial de moda com carvão
em um muro
Ditar um poema na beira do mar da Barra
Gritar uma música no túnel engarrafado
Deslizar o pincel nas paredes da sua sala

Encarar o papel branco e sorrir de desespero
Catar restos de alegorias de carnaval e montar um bloco
Desfilar na passarela do caos onde tudo vale
e nada é
Ter medo da noite do Rio e ainda assim extrapolar
Manter de vez um caderninho pra anotar as estrelas
com a ponta dos dedos

Fazer minha vida caber no teu ventre
e ver brotar

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Esqueci o que li hoje cedo ou Nunca brindar com fogo

Queria te escrever,

Falar do teu cheiro âmbar
Do teu toque macio 
Eleger uma parte da tua harmonia

Ainda quero me elevar no teu céu
Emparedar-me em teu sorriso 
Cultivar lírios no agreste 
Morangos nos alagados
Subverter o tempo, deixa-lo decidir

Posso curvar-me sobre tuas ancas
Deleitar tua certeza num gemido oco
Desmantelar os teus ornamentos

Visto aquilo que me cabe, numeração universal
calço teus sapatos, corro na chuva
Deito numa nebulosa de junho e me acompanhas
Gosto de sentir o rio por entre as pedras, leite e mel

Por ocasião deixo-te um delírio fugaz...